Heróis invisíveis: grupo de trabalho da Alepe viabiliza legislação em defesa dos catadores de recicláveis

Em 09/08/2023
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“Eu já levei nome de cata lixo, de come-lixo, mas eu nunca me liguei para isso não, e nem me aperreava não… tá bom, eu tô comendo lixo, mas tô vivendo, entendeu? E ainda sustentei meus filhos da reciclagem. Nunca peguei nada de ninguém.”

Esse é o relato de Roberta Santana, da Comunidade Caranguejo Tabaiares, na Zona Oeste do Recife. Ela é catadora de recicláveis desde os 7 anos de idade. E hoje, aos 49, foi uma das principais vozes desta reportagem especial. A fala de Roberta demonstra a realidade do tratamento normalmente dado aos catadores pela sociedade. Com o objetivo de reverter esse quadro e proporcionar avanços para a categoria, a Assembleia Legislativa de Pernambuco criou, em maio deste ano, um Grupo de Trabalho com representantes do segmento, especialistas em coleta seletiva e técnicos da Casa.

Já em junho, uma audiência pública da Comissão de Meio Ambiente discutiu a gestão de resíduos sólidos urbanos no Estado, garantindo protagonismo aos catadores. As discussões não foram apenas sobre a questão ambiental, mas também sobre o aperfeiçoamento  da tarefa de reciclagem, para possibilitar mais dignidade e resultados econômicos para esses trabalhadores. Na ocasião, a deputada Dani Portela, do PSOL, reforçou o entendimento de que é preciso um olhar  mais amplo sobre a figura e o trabalho dos catadores. “Se a gente olhar, a gente sabe que a maioria das pessoas que vivem disso, mais de 70% delas são pessoas empobrecidas. A maioria mulheres, a maioria delas pessoas negras também. Então, isso mostra um pouco da desigualdade que o nosso País tem e a gente precisa de política pública, sim, para trabalhar de forma séria com essa questão do resíduo sólido, mas entender de como a gente pode gerar sustento, renda, mas com dignidade.”

Também presente à audiência pública, Dione Manetti, presidente do Instituto Pragma – organização que, desde 2020, publica o Anuário da Reciclagem – chamou atenção para o potencial econômico do setor, que está sendo negligenciado. Ele defendeu que a discussão sobre os catadores ultrapasse o campo social. “Nós temos um potencial de quase 28 milhões de toneladas de materiais que podem ser recuperados, reciclados, gerando mais de 500 mil postos de trabalho todo ano e gerando um incremento de R$ 30 bilhões em nossa economia. E a gente olha para esses profissionais como se fossem um problema de assistência social.”

De acordo com levantamento de 2021 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, pouco mais de 1.600 municípios no País adotam a coleta seletiva. Em 524 cidades, ela é feita por empresa contratada pela Prefeitura ou catadores com apoio da gestão municipal. Dentre estes, em 127 a atividade é feita exclusivamente pelos catadores. O superintendente de gestão do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco, Bertrand Alencar, defende a necessidade de reconhecimento financeiro pelo trabalho desenvolvido pela categoria. “São eles que levam 80% de todos os resíduos recicláveis do Brasil, são coletados pelos catadores, os catadores têm efetivamente que serem remunerados por essa prestação de serviço, né, sobretudo os catadores organizados em cooperativas, assim como se paga um empreiteiro, uma empresa de engenharia que faz a coleta de lixo, né, é importante que as prefeituras passem a contratar as cooperativas e associações.”

Na mesma linha, o ex-prefeito de Bonito, no Agreste Central, Laércio Queiroz, hoje atuando na  Amupe, a Associação Municipalista de Pernambuco, aposta nas evoluções tecnológicas para viabilizar avanços no setor. Ele também participou da audiência pública realizada na Alepe. “Existem tecnologias para a gente não ficar só no aterro. Existem investidores e fundos internacionais que querem apostar em soluções viáveis, concretas, finais, inclusive valorizando os recicladores.”

No campo legislativo, três projetos de lei já foram protocolados pelo primeiro secretário da Alepe, deputado Gustavo Gouveia, do Solidariedade, como frutos do Grupo de Trabalho criado no Parlamento estadual. A criação do incentivo financeiro chamado “Bolsa Reciclagem” e o remanejamento de parte do ICMS Socioambiental para prefeituras que implantam coleta seletiva  com a participação de catadores estão entre as medidas propostas. O deputado disse ter compreendido a importância de criar leis que assegurem um benefício não só aos profissionais, como também às cooperativas e associações, a partir da compreensão do forte potencial de geração de emprego e renda do processo de coleta seletiva, além do seu benefício para o meio ambiente. “A participação dos catadores no processo de coleta seletiva, além de gerar empregos e renda, traz um benefício direto ao meio ambiente. A partir disso, enxergamos, como deputado estadual, a importância de criar leis que assegurem algum benefício, não só aos profissionais, como também às cooperativas e das associações responsáveis por eles.”

Atualmente, essas proposições estão sendo analisadas pelas Comissões temáticas da Alepe.